TREMEMBÉ: REGISTROS DA COLAÇÃO DE GRAU DO MITS [2 Anexos]
Babi Fonteles incluídos abaixo]
-corodenador do MITS-
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Amigos e Apoiadores do MITS,
Boa tarde.
A solenidade de colação de grau dos professores indígenas Tremembé de Almofala, foi um momento realmente especial para todos os que estivemos envolvidos nessa conquista. Para eles, em primeiro lugar, porque a luta pela educação diferenciada indígena, como tenho dito, é o desdobramento e a continuidade da luta pela terra, por outras vias. Para a Universidade Federal do Ceará, porque simboliza um passo importante na inclusão dos povos indígenas. Para a sociedade local e nacional, porque reafirma a diversidade sociocultural e política da nação brasileira, e a possibilidade de projetos de vida baseados na consideração, respeito e favorecimento da diversidade.
Seguem em anexo uma foto dessas prá gente guardar em um lugar especial da memória,
e a cópia do discurso que proferi na solenidade de Colação de Grau dos Tremembé, propondo um sentido para aquele momento histórico.
Grato a todos que nos apoiaram e colaboraram nessa exitosa caminhada.
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Boa tarde.
A solenidade de colação de grau dos professores indígenas Tremembé de Almofala, foi um momento realmente especial para todos os que estivemos envolvidos nessa conquista. Para eles, em primeiro lugar, porque a luta pela educação diferenciada indígena, como tenho dito, é o desdobramento e a continuidade da luta pela terra, por outras vias. Para a Universidade Federal do Ceará, porque simboliza um passo importante na inclusão dos povos indígenas. Para a sociedade local e nacional, porque reafirma a diversidade sociocultural e política da nação brasileira, e a possibilidade de projetos de vida baseados na consideração, respeito e favorecimento da diversidade.
Seguem em anexo uma foto dessas prá gente guardar em um lugar especial da memória,
e a cópia do discurso que proferi na solenidade de Colação de Grau dos Tremembé, propondo um sentido para aquele momento histórico.
Grato a todos que nos apoiaram e colaboraram nessa exitosa caminhada.
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Babi Fonteles. Discurso de Colação de Grau do Curso de Magistério Indígena Tremembé
Superior – MITS.
DISCURSO PARA A COLAÇÃO DE GRAU DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO CEARÁ – UFC
DATA: 06/03/2013
Magnífico reitor, Prof. Jesualdo Pereira Farias,
Ilustríssimo senhor Pró-Reitor de Graduação, Prof. Custódio Luis
Silva de Almeida, em nome de quem saúdo os demais pró-reitores,
Ilustríssimo Prof. Vicente de Paulo Teixeira Pinto, Diretor do
Campus da UFC em Sobral, em nome de quem saúdo os demais
diretores dos campi, centros, faculdades, departamentos e demais
órgãos administrativos e acadêmicos da UFC, aqui presentes,
Senhoras e senhores coordenadores dos cursos de Enfermagem,
Odontologia, Farmácia, Publicidade e Propaganda, Jornalismo,
Filosofia, Design de Moda, Música, Oceanografia e Educação
Física, cujos concludentes colarão grau nesta solenidade,
Demais colegas docentes da Universidade Federal do Ceará e de
outras universidades convidadas especialmente a esta solenidade:
Universidade de Brasília, representada pela Profa. Dra. Walkiria
Neiva Praça; Universidade Federal de Roraima, representada pelo
Prof. Ms. Marcos Braga; Universidade Federal do Piauí,
representada pela Profa. Dra. Jóina Borges; Universidade Estadual
do Ceará, representada pelos Profs. Dr. Gerson Augusto de Oliveira
Júnior e Dra. Cecília Rosa Lacerda; Universidade Estadual Vale do
Acaraú, Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Iguatu,
representada pela Profa. Dra. Edileusa Santiago, e demais
instituições presentes,2
Babi Fonteles. Discurso de Colação de Grau do Curso de Magistério Indígena Tremembé
Superior – MITS.
Caríssimos amigos servidores e colaboradores da gestão
acadêmica e administrativa da UFC,
Caros concludentes dos cursos de Enfermagem, Odontologia,
Farmácia, Publicidade e Propaganda, Jornalismo, Filosofia, Design
de Moda, Música, Oceanografia, Educação Física e Curso de
Magistério Indígena Tremembé Superior – MITS,
Caros amigos e familiares dos concludentes,
Caros amigos do Povo Tremembé de Almofala,
Senhoras e senhores, jovens e crianças,
Boa noite!
Hoje é um dia de vitórias. Cada um de vocês, concludentes, seus
familiares e amigos, juntos com os docentes e servidores desta
Casa, somos todos vitoriosos. A vitória que celebramos neste dia foi
construída de outras tantas pequenas e grandes vitórias cotidianas,
a começar da construção de um curso de nível superior em uma
universidade pública. São praticamente incomensuráveis as horas
de trabalho e de dedicação por trás da criação e funcionamento de
um curso universitário, para que possamos chegar a um momento
como este.
Bem sei que cada um de vocês, docentes e concludentes, tem
uma história vitoriosa para contar. Peço, porém, licença para, nesta
fala, lhes contar um pouco da história de um dos cursos cuja
primeira turma cola grau neste dia. Trata-se do Curso de Magistério
Indígena Tremembé Superior – MITS, que tive e tenho a honra de
participar de sua criação e realização, até este dia. E se o faço, é
porque quero que todos vocês aqui presentes, especialmente os 3
Babi Fonteles. Discurso de Colação de Grau do Curso de Magistério Indígena Tremembé
Superior – MITS.
concludentes, conheçam ainda um pouco melhor desta Casa, que é
a Universidade Federal do Ceará. Mas, também, para que
conheçam um pouco melhor quem é esta gente, o Povo Tremembé
de Almofala. Porque é essencial saber o que é a UFC e quem são
os índios Tremembé, para compreendermos melhor o que significa
este dia, qual o sentido desta solenidade para todos nós, para a
história dos Tremembé, para a história da UFC, para a história da
educação no Ceará, e ainda, se me permitem, para a história do
país.
A UFC que quero apresentar a vocês nesta solenidade é,
certamente, uma nova UFC. Não tratarei aqui do quanto esta
Universidade cresceu nesta derradeira década, tornando-se uma
das maiores instituições de ensino superior do país e,
recentemente, a mais procurada por estudantes de todo o Brasil
para ingressarem, pelo ENEM, em alguns de seus cursos,
superando universidades como a Universidade de São Paulo – USP
ou a Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Sobre
algumas dimensões da UFC, certamente falará o magnífico reitor
dentro de mais alguns minutos. Quero falar aqui da grandeza de
uma Universidade que abriu suas portas para, definitivamente,
acolher os povos indígenas. Coube a mim a honra de poder
contribuir, de algum modo, estabelecendo pontes entre a
comunidade Tremembé e a UFC e entre a UFC e a comunidade
Tremembé, entre outras etnias.
Senhoras e senhores, estes Tremembé que aqui comparecem
acompanhados de seus padrinhos e parentes, são os mesmos
denominados de Tapuios no século XVII, como bem identificou a 4
Babi Fonteles. Discurso de Colação de Grau do Curso de Magistério Indígena Tremembé
Superior – MITS.
Profa. Dra. Joina Borges, docente do MITS, em sua pesquisa de
doutorado, aos quais ela denomina os “deuses do mar” e os
“senhores das dunas”. Eles são os mesmos descritos pelo Padre
Antônio Tomaz, que resistiram à ordem do bispo de Sobral e à
polícia, quando aquele veio retirar as imagens da Igreja de
Almofala, que estava sendo soterrada por uma gigantesca duna, no
final do século XIX. São os mesmos cujo ritual de iniciação dos
jovens, descrito pelo antropólogo Thomaz Pompeu Sobrinho, era a
luta corpo-a-corpo com um tubarão, em pleno alto-mar. São os
mesmos que, desde os inícios da colonização, mantinham relação
direta com a coroa portuguesa e negociavam com portugueses,
holandeses, espanhóis, alemães e italianos que aportavam a costa
cearense. São os mesmos que, há 48 anos, em 1965, aqui, neste
exato lugar, ganharam o festival nacional de folclore apresentando
sua dança ritual mais conhecida, o Torém. Hoje, este mesmo povo
comparece novamente a este lugar para receber os primeiros
diplomas de nível superior concedidos a professores indígenas na
história do Nordeste do Brasil.
Senhoras e senhores, receber um diploma de uma das melhores
instituições de ensino superior do país, por si já significa uma
grande vitória. Para os professores Tremembé, concludentes do
MITS, este diploma se reveste de um significado especial.
Imaginem um curso de nível superior criado por uma comunidade
indígena no solo da própria aldeia, com mães e pais, jovens e
lideranças participando diretamente da elaboração de sua proposta
curricular, metodológica, gestão e execução!5
Babi Fonteles. Discurso de Colação de Grau do Curso de Magistério Indígena Tremembé
Superior – MITS.
Imaginem um curso em que alguns dos docentes não tinham
nenhuma escolaridade, não tinham títulos acadêmicos, não sabiam
ler nem escrever e mesmo assim, estão entre os mais sábios e
melhores docentes do curso! E imaginem mais, que esses
docentes, como o cacique João Venâncio e o pajé Luis Caboco,
entre outras lideranças Tremembé, foram reconhecidos como
especialistas em suas áreas de conhecimento, tratados e
remunerados com dignidade pela Universidade! Tudo isso feito
dentro da mais absoluta legalidade e moralidade na gestão dos
recursos públicos!
Imaginem um curso em que as aulas aconteceram no ambiente
da aldeia! Em que as alunas que tiveram bebês durante o percurso
puderam amamenta-los enquanto assistiam às aulas! E onde, a
qualquer momento, pais, mães, crianças e jovens, idosos e
lideranças da comunidade, ou visitantes, podiam adentrar na sala
de aula e participar, ouvir e dar opiniões, fortalecendo os conteúdos
e as atividades didáticas planejadas!
Imaginem um curso em que a frequência obrigatória era 100% e,
mesmo no caso de alunas-mães que tiveram que se ausentar de
uma etapa ou outra, foi dada a oportunidade de refazerem os
estudos e os trabalhos de todas as disciplinas!
Imaginem um curso em que a gestão era plenamente
compartilhada e no qual, ao invés de um único coordenador, havia
uma coordenação ampliada, que tinha um coordenador indígena,
que era também aluno do curso!6
Babi Fonteles. Discurso de Colação de Grau do Curso de Magistério Indígena Tremembé
Superior – MITS.
Mas é preciso contar ainda algo mais, que revela a simplicidade e
a grandeza deste curso, o MITS, e desta solenidade de outorga de
diplomas e títulos. É preciso contar, ainda que brevemente, a
história da pessoa que dá nome a esta primeira turma de
professores indígenas Tremembé graduada em nível superior:
Raimunda Marques do Nascimento.
Era o início do ano de 1991. Uma mocinha de apenas 18 anos,
recém-chegada na aldeia após anos de trabalho como doméstica
em Fortaleza – como tantas moças Tremembé – decidiu por em
prática um sonho que alimentava desde a mais tenra idade: o de
ser professora das crianças. Raimundinha, filha de um pescador
que depois veio a se tornar o cacique da tribo, por conta própria e
sem quaisquer recursos ou apoios externos, juntou as crianças e
jovens da comunidade Tremembé da Praia de Almofala debaixo de
um velho galpão de palha, que servia de pesqueira, tendo o chão
de areia como assentos e pedaços de tronco de coqueiro como
mesa para seus alunos. Ali, passou a lhes ensinar a ler, escrever,
contar, mas também algo absolutamente inusitado e original: a
dançar e cantar as músicas do Torém, um ritual tão específico e tão
caro à cultura do seu povo. A paisagem do entorno e o espírito de
sua gente emprestou o nome àquela que se tornou a primeira
experiência de educação diferenciada indígena de que se tem
notícia no Ceará: a Escola Alegria do Mar. Porém, no dia 15 de
maio de 2009, aos 37 anos, mãe de oito filhos, ela faleceu,
tornando-se, como dizem os Tremembé, uma encantada.
Senhoras e senhores, hoje é um dia de vitórias. Não nos
detenhamos a relatar as perdas, dores, dificuldades e percalços que 7
Babi Fonteles. Discurso de Colação de Grau do Curso de Magistério Indígena Tremembé
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enfrentamos na caminhada. Se existiram, foi para que
aprendêssemos ainda mais a nos afirmarmos como vencedores.
Somos vitoriosos, isso é o que importa. Se batemos em alguma
porta fechada, em maior número foram as que se abriram para que
pudéssemos hoje estar aqui. Como diz Rilke, “onde não havia
caminhos, nós voamos”.
Foram muitos os desafios enfrentados e vencidos. Quando
decidimos criar o MTS na própria aldeia, em 2006, não
dispúnhamos de recursos sequer para a alimentação dos cursistas.
Ao longo dessa caminhada, aprovamos recursos que beiram hoje
os R$ 10 milhões, beneficiando também outros povos indígenas no
Ceará, inclusive com a aprovação de um projeto de concessão de
bolsas do governo federal, o PIBID Diversidade.
Caros concludentes, meus amigos Tremembé, senhoras e
senhores, quero finalizar minhas palavras sendo grato ao
Verdadeiro Superior pela oportunidade que me foi oferecida, de
participar desta história tão exitosa e de ter estado exatamente no
lugar de estabelecer ligações e fazer pontes, reunindo mundos tão
diferentes e tão complementares, tão distantes e tão próximos, a
um só tempo. Foram 15 anos de minha vida que dediquei a esta
causa, desde que iniciei os estudos de mestrado e doutorado em
educação indígena, nesta mesma Universidade. Minha intenção e
meu projeto de vida eram contribuir para que os povos indígenas
pudessem ser tratados com dignidade e, ao mesmo tempo, para
que a universidade brasileira se tornasse realmente pública, isto é,
do povo deste país, em uma sua imensa diversidade sociocultural e
política. O que estamos realizando hoje é um grande feito, mas é8
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tão somente um sinal e uma promessa de um dia que já se anuncia
em sua aurora, trazendo luz e cor a um novo tempo da história do
povo Tremembé, da UFC, do Ceará e do Brasil.
Sou grato aos servidores desta universidade, a todos os colegas
docentes que ministraram aulas no MITS, alguns de universidades
de fora do Ceará; aos meus colaboradores mais diretos, incluindo
os bolsistas; aos membros da gestão superior desta Universidade e
às outras instituições parceiras, especialmente ao Ministério da
Educação e à Igreja Metodista, que ao longo destes anos, de
diversos modos, puderam contribuir para que chegássemos a este
histórico momento. O apoio e auxílio de muitos foi o que tornou
possível o que antes era um sonho.
Sou grato de modo especial ao povo Tremembé, que me acolheu
e me possibilitou vivenciar esta e outras histórias venturosas, que
me dão a sensação de que estou fazendo valer esta minha vida.
Peço licença às senhoras e senhores finalmente, para, nesta
ocasião, homenagear uma pessoa que tanto contribuiu para que eu
pudesse me dedicar a esse trabalho: Penélope Malveira Góes,
minha companheira, que me incentivou e apoiou de muitas formas,
acolhendo em sua vida, e muitas vezes em nossa casa, os amigos
e os amigos dos amigos Tremembé. Muitos e muitos dias, ela
cuidou dos nossos filhos José, Heitor e Flora para que eu pudesse
estar presente na aldeia, acompanhando as diversas atividades do
curso, ou em Fortaleza a serviço da gestão acadêmica e
administrativo-financeira deste Curso, ou ainda em Brasília,
pelejando pelos recursos financeiros do MITS. Dedico a ela, neste
dia que também é o do seu aniversário, o fruto desse trabalho.9
Babi Fonteles. Discurso de Colação de Grau do Curso de Magistério Indígena Tremembé
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Caros concludentes, quero lhes desejar que sigam adiante,
levando consigo a lição de vida que seus colegas indígenas lhes
oferecem: a de serem obstinados na busca de seus objetivos,
aprendendo a viver solidariamente, sendo flexíveis e fortes, como
no ditado Tremembé: “nós brandeia, mas não arreia”.
Desejo ainda que o conhecimento adquirido, representado
simbolicamente no diploma que vocês estão recebendo nesta
solenidade, lhes auxilie na busca da Verdadeira Sabedoria, aquela
do Rei Salomão, que liga a verdade à justiça e a ciência à paz. Que
o Seu Espírito esteja com vocês, orientando seus caminhos e suas
decisões, fortalecendo em cada um de vocês essas virtudes, das
quais somos todos sempre carentes.
Que vocês possam se lembrar deste dia como um dia de vitória.
Vitória também da tolerância e do respeito à diversidade. Pois este
é o sentido dessa beca que usam: estão todos irmanados no
mesmo objetivo e na mesma conquista. Porque, para além das
diferenças culturais e dos caminhos percorridos, todos nós
pertencemos a uma etnia e uma tribo bem maior, a Humanidade.
Assim, guardem na memória, para sempre, este dia de sua colação
de grau como símbolo e celebração da fraternidade que almejamos
para todos os povos da Terra.
Que o sol, a cada novo dia, os desperte para o sentido maior
desta conquista, celebrada nesta solenidade: a aquisição do
conhecimento comporta responsabilidades e o dever de servir.
Que suas vidas continuem sendo marcadas pelo êxito, fruto de
uma conduta íntegra, ética, fundada na consciência de que quem 10
Babi Fonteles. Discurso de Colação de Grau do Curso de Magistério Indígena Tremembé
Superior – MITS.
planta espinhos, colhe espinhos, mas quem planta flores, colhe
flores. Que suas vidas sejam, então, um belo jardim florido,
perfumando a todos os que por ele passarem.
Grato pela atenção.
Prof. Dr. José Mendes Fonteles Filho (Babi)
Coordenador Geral do MITS
(babifonteles@gmail.com)
Prof. Dr. Babi Fonteles (UFC),-corodenador do MITS-
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