quarta-feira, 16 de junho de 2010

PLURIÉTINICO

Brasil: um país pluriétnico com muitos desafios

O Brasil se reconheceu pluriétnico ao homologar a Constituição Federal de 1988. A invisibilidade dos povos tradicionais experimentou uma retração, pois o novo paradigma revela o “espaço ontológico do outro”, de acordo com Deborah Pereira (2010). Propõe-se, portanto, deixar para atrás antigas perspectivas assimilacionistas e aculturativas, que dominaram os contextos de brasis colônia, império e república. Reconhecem-se os “territórios culturais”, enquanto espaços essenciais à existência de uma coletividade singular (art.231, caput e §1º).

Nos territórios culturais se produzem a autonomia e a autodeterminação desses povos. Abre-se o espaço político-social requerido pelo movimento indígena, bem como por outros movimentos dos demais povos tradicionais, para que se tornem prática a presença, a anuência e a intervenção de suas lideranças em todas as atividades advindas de políticas públicas ou de organismos não governamentais, conforme previsto na Convenção 169/1989. O Estado brasileiro deve salvaguardar o direito a vida, a terra, a cultura e aos processos próprios de aprendizagem e de cura, de acordo com sua própria legislação.

Dentre as políticas públicas destacamos nesse texto as políticas de educação e saúde indígenas, tão essenciais quanto às demais para os modus vivendi indígenas. A educação escolar indígena é uma política pública muito recente para esses povos, mas o processo de escolarização é antigo. A saúde, por sua vez, recebe uma atenção mais sistemática nas últimas duas décadas, apesar do Estado ter produzido atividades sanitárias a partir da criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Apresentaremos a educação e depois a saúde indígenas, a partir das experiências que temos com os Terena (Aruak), os Apinayé (Timbira) e os Guarani e Kaiowá (Guarani).

Apesar das diretrizes propostas na última Lei de Diretrizes e Bases e nos documentos do Conselho Nacional de Educação, as comunidades indígenas enfrentam muitas dificuldades para implementar em suas escolas seus processos próprios de aprendizagem. A escola indígena está marcada pela necessidade de diálogo intercultural com a sociedade brasileira, uma vez que os sistemas de educação aos quais estão vinculadas são pensados e administrados pela lógica ocidental. A própria legislação brasileira propõe a aprendizagem de conhecimentos tradicionais e conhecimentos não tradicionais. Ou seja, os professores indígenas estabelecem parcerias constantes e cotidianas interna e externamente às suas aldeias e Terras Indígenas. São os mediadores do diálogo intercultural entre saberes totalmente diferentes. São os tradutores dos códigos e significados que compreendem a interculturalidade.

Outro desafio enfrentado pelas escolas indígenas está sendo a organização de um currículo específico, diferenciado e flexível. Alguns são os cursos de formação de docentes indígenas em nível médio para fortalecer os quadros das escolas indígenas e muito poucos ainda são os cursos de formação de professores em nível superior. Esses professores estão se preparando para assumir em definitivo a docência e a gestão dessas escolas. No Mato Grosso do Sul, temos atualmente dois cursos de formação de professores de nível médio (SEDMS) e um curso de Licenciatura Indígena (UFGD).

O curso de Licenciatura Indígena é específico para professores Guarani e Kaiowá. É oferecido na modalidade de alternância, pois os professores fazem o curso ao mesmo tempo em que desenvolvem suas atividades de docência ou gestão. Um dos problemas enfrentados é que os cursistas ficam cansados, pois não têm férias. As etapas presenciais longas (19 dias) acontecem na universidade nos meses de janeiro/fevereiro e julho/agosto e as curtas (03 dias) ocorrem nos meses de maio e outubro. No ínterim das etapas os acadêmicos desenvolvem atividades de tarefas, estágio, atividades complementares e trabalhos de conclusão de cursos. Ou seja, o tempo todo estão envolvidos com a formação em serviço. Essa situação foge totalmente à rotina das suas comunidades. Pouco tempo lhes sobra para desempenhar outros papéis internamente.

O curso é distribuído na modalidade de módulos que se dividem em dois blocos (Núcleos Comum e Específico). O primeiro tem a duração de um ano e meio e o segundo dois anos e meio. O primeiro bloco toda a turma cursa junto. No segundo, os acadêmicos optam pela área de formação dentre as quatro existentes: Ciências Sociais, Ciências da Natureza, Linguagens e Matemática. Ao término da Licenciatura os formandos recebem o título de gestor e professor em Ciências Sociais ou outra área. A primeira turma (2006) concluirá seu curso ainda esse ano.

Uma informação imprescindível acerca dessa Licenciatura é que a mesma nasceu de uma demanda do movimento de professores indígenas Guarani e Kaiowá. A idéia surgiu quando alguns desses professores cursavam o ensino médio Ara Verá (específico para essas duas etnias) e perceberam a necessidade de ampliar seus estudos. Essa iniciativa é um exemplo do protagonismo dessas etnias, uma vez que estão se movimentando no sentido de se apropriar dos espaços sócio-político-pedagógicos de suas escolas indígenas. A universidade, por sua vez, acatou a demanda pois tem como função social atender à diversidade na região. Administra o curso em parceria com a Secretaria de Estado de Educação, o Movimento de Professores Guarani e Kaiowá, a Universidade Católica Dom Bosco e mais dezessete prefeituras, através de suas Secretarias Municipais de Educação.

Os cursos de ensino médio ofertados pela Secretaria de Estado de Educação dividem-se em dois grupos: Guarani e Kaiowá de um lado e Povos do Pantanal de outro. O curso dos Guarani e Kaiowá completou uma década de existência enquanto o outro é bem mais recente. Até o surgimento desses cursos específicos e diferenciados os indígenas freqüentavam somente os cursos regulares. Todavia, muitos desafios ainda estão colocados para que os indígenas tenham o pleno domínio de suas instituições.

A saúde indígena é outro desafio para o Estado brasileiro. Na década de 1990, foi instituída uma política específica para o atendimento à saúde indígena. A FUNASA, através dos Distritos Sanitários, passou a transportar uma junta médica e odontológica para as Terras Indígenas, ao mesmo tempo em que, em casos de maior gravidade, translada o paciente para as cidades mais próximas de suas aldeias. De acordo com depoimento dos Terena, com quem tenho um maior convívio, a saúde melhorou muito depois dessa iniciativa do governo federal. Contudo, ainda reivindicam o reconhecimento de seus sistemas próprios de cura, uma vez que tem doença que não é de médico. Essas doenças do espírito são de competência de seus curandeiros e purungueiros (Koixomuneti).

Apesar de todos os obstáculos e desafios apontados, nasce a necessidade de estreitamento de diálogo entre a sociedade brasileira, o estado e os povos tradicionais. A legislação está sendo alterada, mas o percurso para as mudanças de mentalidade da sociedade brasileira é longo. Todavia, os embates e debates proporcionam um convívio cada vez mais estreito e sem volta.

Referências

MOURA, Noêmia S. P. O processo de terenização do cristianismo na Terra Indígena Taunay/Ipegue no século XX. Tese de doutoramento, IFCH/UNICAMP, 2009; PEREIRA, Deborah D. de B. O Estado pluriétnico. www.moodle.fgv.br; ARAÚJO, Ana Valéria & LEITÃO, Sérgio. Direitos indígenas: avanços e impasses pós-1988. www.moodle.fgv.br

Atenciosamente,

Profª. Evanir Jonson Rolon
Psicopedagoga-Sociologa
Seção Educação Escolar Indigena - FUNAI
(85) 3223-3788 begin_of_the_skype_highlighting (85) 3223-3788 end_of_the_skype_highlighting86905984
Fortaleza - Ceará

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