segunda-feira, 17 de maio de 2010

Tania Pacheco

É necessária muita ingenuidade para se acreditar no que é publicado pelos chamados grandes jornais e por revistas como a Veja, inteiramente à serviço do capital ao qual pertencem e do qual são veículos subservientes. Mas há momentos – como este agora – em que torna-se necessário mais do que meramente ignorar o que é escrito nesses panfletos. É preciso denunciar, protestar e, até, usar de medidas legais para dar um basta no absurdo racista, preconceituoso e, além de tudo, mentiroso contido no artigo “A farra da antropologia oportunista”.

De todos os povos indígenas e remanescentes de quilombos citados, me orgulho de conhecer pessoalmente um: os Anacé, sob ameaça de expulsão de suas terras para que nelas se implante o complexo industrial do Pecém. Fomos por eles recebidos, no terceiro dia do II Seminário Brasileiro contra o Racismo Ambiental, em março do ano passado. Vimos suas terras devastadas para a construções de indústrias que, ao iniciar as obras sem qualquer estudo, descobriram que o solo não comportava edificações e afundava. Com eles compartimos a comida, a revolta, os sonhos e a esperança. Mas, de acordo com a Veja, na verdade os Anacé teriam sido convencidos por um padre e se declararem indígenas! Mais: ainda segundo a revisteca, com a ajuda também de ONGs e ancorados em falsos laudos antropológicos, “espertinhos e espertalhões”, como os Anacé, estariam ameaçando tomar posse de 80% do território brasileiro!

A falta de escrúpulos vai mais longe, entretanto. No corpo da matéria, são atribuídas declarações ao antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, da UFRJ, que ele já refutou em carta ao editor, afirmando: “Na matéria “A farra da antropologia oportunista” (Veja ano 43 nº 18, de 05/05/2010), seus autores colocam em minha boca a seguinte afirmação: ‘Não basta dizer que é índio para se transformar em um deles. Só é índio quem nasce, cresce e vive num ambiente cultural original’ . Gostaria de saber quando e a quem eu disse isso, uma vez que (1) nunca tive qualquer espécie de contato com os responsáveis pela matéria; (2) não pronunciei em qualquer ocasião, ou publiquei em qualquer veículo, reflexão tão grotesca, no conteúdo como na forma. Na verdade, a frase a mim mentirosamente atribuída contradiz o espírito de todas declarações que já tive ocasião de fazer sobre o tema. Assim sendo, cabe perguntar o que mais existiria de ‘montado’ ou de simplesmente inventado na matéria. A qual, se me permitem a opinião, achei repugnante”.

O teor do artigo está na continuação deste texto, sem fotos ou destaques, apenas para que seja possível tomar dele conhecimento sem jogar dinheiro fora comprando a revista. Não merece figurar na primeira página deste Blog, como não merece figurar em qualquer espaço digno, salvo em termos de denúncia e de protesto. Cito apenas o subtítulo, que sintetiza de forma perfeita a ideologia que a pauta: “Critérios frouxos para a delimitação de reservas indígenas e quilombos ajudam a engordar as contas de organizações não governamentais e diminuem ainda mais o território destinado aos brasileiros que querem produzir”.

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